sábado, 23 de junho de 2007

Carta aos amigos...

"Se por um instante Deus se esquecesse de que sou uma marionete de trapo e me presenteasse um pedaço de vida, possivelmente não diria tudo o que penso mas certamente pensaria tudo o que digo. Daria valor às coisas, não pelo que valem, mas pelo que significam. Dormiria pouco, sonharia mais, pois sei que por cada minuto que fechamos os olhos, perdemos sessenta segundos de luz. Andaria quando os demais se detêm, despertaria quando os outros dormem.

Escutaria quando os demais falam, e como desfrutaria um bom sorvete de chocolate! Se Deus me obsequiasse com um pedaço de vida, vestiria simples, me atiraria de bruços ao solo, deixando descoberto, não apenas o meu corpo, como minha alma. Deus meu, se eu tivesse um coração, escreveria meu ódio sobre o gelo, esperaria que saísse o sol.

Pintaria com um sonho de Van Gogh sobre as estrelas um poema de Benedetti, e uma canção de Serrat seria a serenata que ofereceria à lua. Regaria com minhas lágrimas as rosas, para sentir a dor de seus espinhos, e o encarnado beijo de suas pétalas...

Deus meu, se eu tivesse um pedaço de vida... Não deixaria passar um só dia sem dizer as pessoas que quero, que as quero. Convenceria a cada mulher e cada homem de que são meus favoritos e viveria enamorado do amor. Aos homens lhes provaria quão equivocados estão ao pensar que deixam de se apaixonar quando envelhecem, sem saber que envelhecem quando deixam de se apaixonar! À criança lhe daria asas, porém deixaria que aprendesse a voar sozinha. Aos velhos lhes ensinaria que a morte não chega com a velhice, mas com o esquecimento.

Tantas coisas tenho aprendido de vocês, os homens... Aprendi que todo o mundo quer viver no cimo da montanha, sem saber que a verdadeira felicidade está na forma de subir a escarpa. Aprendi que quando um recém-nascido aperta com sua pequena mão pela primeira vez o dedo de seu pai, o tem prisioneiro para sempre. Aprendi que um homem só tem o direito de olhar um outro de cima para baixo para ajudá-lo a levantar-se.

São tantas coisas as que tenho podido aprender de vocês, porém realmente de muito não haverão de servir, porque quando me guardarem dentro dessa mala, infelizmente estarei morrendo."

Gabriel Garcia Marquez

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